O Brasil tem 16,3 mil novas mortes por ano em decorrência do câncer de próstata, segundo levantamento do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Para reverter o cenário, novas tecnologias e terapias são desenvolvidas em todo o mundo, ganhando ainda mais destaque no Novembro Azul. É o caso da vacina personalizada FK-PC101 em testes clínicos nos Estados Unidos, com aval da agência reguladora Food and Drug Administration (FDA). O “detalhe” é que o imunizante foi desenvolvido originalmente por um time de brasileiros.
As pesquisas que viabilizaram a potencial vacina contra o câncer de próstata começaram há mais de 20 anos e, nos primeiros anos, estiveram concentradas no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Desde aquele momento, os estudos envolveram o médico e cientista brasileiro Fernando Thomé Kreutz. Ele também é fundador das empresas FK Biotecnologia e CellVax Therapeutics.
Diferente das vacinas comuns que imunizam contra doenças que ainda não tivemos, a FK-PC101 é classificada como uma vacina terapêutica e só pode ser usada em quem já teve um diagnóstico e tratou um câncer de próstata. Esta imunoterapia faz com que as próprias células do sistema imune ataquem as células cancerígenas, evitando a reincidência.
Ainda não há previsão de quando todas as etapas dos testes clínicos serão concluídas, mas a expectativa é que, no futuro, o imunizante esteja disponível tanto nos EUA quanto no Brasil. Novas alternativas, como esta, serão ainda mais importantes, considerando que as mortes por câncer de próstata entre brasileiros podem dobrar até 2040.
Vacina personalizada e imunoterapia
A vacina personalizada contra o câncer de próstata é um tipo de imunoterapia. Isso significa que ela utiliza as próprias células do tumor do paciente para criar Células Apresentadoras de Tumor (TPCs). Quando entram no corpo do paciente, elas direcionam uma resposta imune contra qualquer vestígio do tumor e podem impedir a reincidência.
“Outro aspecto bem importante dessa terapia é o fato de que ela é aplicada logo após a cirurgia”, conta Kreutz para o Canaltech. No pós-operatório de remoção do tumor, “o paciente não fez nenhuma outra química e não fez nenhuma radioterapia, ou seja, é um paciente que tem um sistema imunológico saudável”, detalha. Assim, a resposta imune gerada pela vacina tende a ser potente e eficaz.
Vacina contra câncer de próstata
Em uma das rodadas de testes preliminares realizada no Brasil, a vacina reduziu a mortalidade de aproximadamente 10% no grupo controle para 4% entre aqueles que receberam a imunoterapia, como indica artigo publicado na revista Cancer Immunology Research.
Agora, com a pesquisa em andamento nos EUA, novos dados poderão confirmar esses achados ou apontar benefícios ainda maiores. No estudo norte-americano de Fase 2 adaptativo, a equipe irá avaliar o efeito da vacina em até 230 pacientes, que já tiveram um diagnóstico positivo para o câncer de próstata, ao longo dos próximos 18 meses.
“Vamos ter a primeira oportunidade, dependendo desses dados, de solicitar ao FDA que a gente altere esse estudo para um estudo de registro [de vacina]”, aposta o brasileiro. Paralelamente, será possível solicitar o registro por aqui, com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Início da pesquisa contra o câncer
“Os primeiros estudos se iniciaram em 2000 e 2001, logo que eu retornei do Canadá, depois do meu doutorado [na Universidade de Alberta]”, conta o pesquisador Kreutz. Naquele momento, foi criada a FK Biotecnologia e foi firmado um acordo de cooperação com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os primeiros testes foram para “entender a biologia dos tumores [na próstata]”.
Já “os primeiros ensaios clínicos foram desenvolvidos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre”, detalha Kreutz. Neste momento, a pesquisa contou com a cooperação dos cientistas Walter José Koff e Milton Berger.
“Esses estudos foram publicados em periódicos internacionais, na forma de abstracts de eventos, onde isso foi apresentado. Depois foram publicados também na forma de patente, que foi então depositada nos EUA e em outros países”, acrescenta. Hoje, “estamos preparando uma publicação que envolve todos esses resultados que foram apresentados [ao longo dos últimos anos]”, pontua.
Aposta contra diferentes tipos de câncer
Como o mecanismo de ação é independente do tipo tumoral, a mesma tecnologia da vacina contra o câncer de próstata pode ser em tese replicada contra outros tumores. Entretanto, é necessário fazer as devidas adaptações e validações de eficácia. No futuro, a vacina personalizada poderá ajudar no combate de pelo menos outros quatro tipos de cânceres, incluindo:
- Câncer de estômago;
- Câncer de pâncreas;
- Câncer de cólon;
- Câncer de pulmão.
Vale destacar que o câncer de pulmão é o segundo tumor com a maior mortalidade em homens no país. Segundo o INCA, são 15,9 mil óbitos todos os anos. Então, a vacina personalizada poderá se tornar uma boa opção para salvar milhares de vidas, se for confirmada a segurança e a eficácia.
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